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Sucessão no BCE: As respostas de Christine Lagarde aos eurodeputados portugueses

A candidata escolhida pelos líderes europeus para suceder a Mario Draghi à frente do Banco Central Europeu em novembro esteve esta quarta-feira no Comité Económico e Monetário do Parlamento Europeu onde respondeu às perguntas dos eurodeputados, entre elas, de Pedro Marques, Lídia Pereira e José Gusmão. O leitor pode consultar um resumo das respostas de Lagarde que só sai da liderança do Fundo Monetário Internacional na próxima semana.

Christine Lagarde esteve esta quarta-feira de manhã no Parlamento Europeu a responder às perguntas dos eurodeputados no âmbito da sua candidatura ao cargo de presidente do Banco Central Europeu (BCE) a partir de 1 de novembro.

Do grupo de eurodeputados portugueses, foram-lhe colocadas questões por Pedro Marques, do PS, Lídia Pereira, do PSD, e José Gusmão,do Bloco de Esquerda.

Pedro Marques, do PS, colocou cinco questões, mas Christine Lagarde respondeu condensando a resposta.

P: Dada a atual situação económica, mantém a garantia de que o BCE fará tudo o que for necessário para preservar o euro? Compromete-se a manter ou criar novos instrumentos de política monetária não convencional que possam ser necessários?

R: Eu estava presente quando Draghi disse que faria o que fosse preciso para preservar o euro, e que isso seria suficiente. Eu espero nunca ter de dizer algo assim, porque isso significaria que os outros responsáveis de política económica não estariam a fazer o que deveriam fazer. Na verdade, quando ele afirmou isso, a consequência foi a criação do programa OMT pelo BCE que nunca chegou sequer a ser concretizado. Entretanto, o que foi eficaz da parte das instituições europeias foi a criação do Mecanismo Europeu de Estabilização. Mas eu espero que esse mecanismo não seja paralisado por regras excessivamente rígidas para o desencadear.

P: Concorda que poderemos dar o passo seguinte de criação de um sistema europeu de depósitos? Apoiaria a criação de um instrumento de resseguro do desemprego? Que passos daria relativamente a uma capacidade orçamental da zona euro?

R: Numa só resposta. No Fundo Monetário Internacional reconhecemos que houve dificuldades políticas inerentes derivadas da falta de confiança entre estados membros [da zona euro]. Não quero desenvolver o assunto, mas sabemos o que eu quero dizer. [Em todas essas questões], o que é necessário é que se criem condições para que os que colocam o seu dinheiro num dado país, verifiquem que este responde e que a situação é de curto prazo e não um quadro de fracasso endémico e constante.

Lagarde a Lídia Pereira: “Os banqueiros centrais não podem tapar os olhos [às inovações financeiras]. Têm de facilitar a inovação e ser parte do jogo”

Lídia Pereira, do PSD, colocou duas questões.

P: Quando esteve em Portugal, em março, disse que era preciso acelerar o ritmo de redução da dívida, porque nas suas palavras – e eu subscrevo – era “preciso arranjar o telhado enquanto faz sol”. Os países da zona euro com níveis de dívida elevada, como Portugal, estão a beneficiar de condições vantajosas para se financiar. Estarão a fazer o necessário, ou, porventura, estão a desaproveitar o clima favorável?

R: A expressão referida é de John F. Kennedy. Enquanto houver crescimento, e tivemos um crescimento sem precedentes, ainda que haja riscos externos (guerra comercial, Brexit, riscos geopolíticos, risco climático, ainda que este seja de longo prazo, mas exige medidas no curto termo), continua a ser necessário aplicar essa máxima. Alguns países têm espaço orçamental e outros terão de fazer a reengenharia das suas políticas orçamentais de modo a tornarem-nas amigas do crescimento e de modo a facilitarem as reformas estruturais que necessitam.

P: A digitalização traz desafios novos. As tecnologias ligadas ao blockchain ou às criptomoedas são alguns exemplos. Yves Mersch, da comissão executiva do BCE, disse há dois dias que a Libra converter-se-ia num risco potencial e acrescentou que, dependendo do nível de aceitação da Libra e do papel do euro no cabaz de moedas de reserva, isso poderia reduzir o controlo do BCE sobre o euro. Qual a sua posição sobre o equilíbrio adequado necessário entre a estabilidade do sistema e o incentivo à inovação dos serviços financeiros?

R: É precisa uma discussão sobre as mudanças tecnológicas e uma avaliação sobre o custo-benefício. Como princípio geral, os banqueiros centrais devem estar a par dos desenvolvimentos, que ocorrem numa base diária, e devem fazê-lo baseados em dois aspectos: primeiro, garantir a estabilidade financeira e a proteção dos consumidores e dos investidores; e, segundo, facilitar e permitir a inovação. Os banqueiros centrais não podem, tal como os outros responsáveis políticos, tapar os olhos, se viajarem na China e observarem os pagamentos pelo telefone ou na Califórnia. O próprio BCE tem iniciativas em curso. Quantos de vocês já ouviram falar da TIPS [Target Instant Payment Settlement Service]? Era o que eu temia [que poucos deputados estavam a par da iniciativa]. Eu também não sabia. É um sistema posto a funcionar pelo BCE em novembro [do ano passado] e que tem como papel acelerar os pagamentos instantâneos entre as instituições financeiras na zona euro. Em suma, é preciso estabilidade financeira, facilitar a inovação e ser parte do jogo. Perguntar-se-á até se os bancos centrais devem ser eles próprios originadores de moedas digitais. São questões em aberto que têm de ser colocadas e resolvidas.

José Gusmão, do Bloco de Esquerda, foi o último dos deputados europeus a questionar Lagarde já na ponta final da audição. O deputado começou por sublinhar que, em Portugal, depois dos anos de austeridade da troika, com uma grande recessão e subida do rácio da dívida pública, foi possível com uma nova maioria política reverter algumas das medidas da troika e ao mesmo tempo ter os melhores anos de crescimento e a maior descida do rácio da dívida no PIB] Formulou, depois, uma pergunta à candidata.

P: Lidar com os riscos da política monetária não convencional exige uma combinação de políticas que presentemente não existe a nível da zona euro. Acha que a estabilidade da zona euro pode ser assegurada apenas pela política monetária combinada com políticas de austeridade como temos tido?

R: Gostava de começar por saudar os esforços de Portugal e dos portugueses nesse período realmente difícil. Não é surpreendente que o rácio da dívida tenha melhorado, pois, à medida que o país saiu do programa, começou a crescer. Os meus colegas no FMI consideram que foi realmente um sucesso do programa, apesar de um período de três anos muito difícil e de muitas reformas terem sido levadas a cabo. Em muitos aspectos, e isso acontece muitas vezes nas mudanças políticas, a equipa seguinte pega no que a anterior deixou e alavanca os esforços feitos. Como conclusão, o meu ponto de vista, claramente, é que é necessária cooperação de políticas e em combinação com reformas estruturais.

Fonte: Expresso Economia