Imagine que prova o melhor bolo de chocolate do Mundo. E, agora, quer replicar a receita em casa. Parece fácil, ainda que haja sempre um detalhe que escapa. A qualidade do chocolate, a escolha da farinha, o equilíbrio das quantidades dos ingredientes ou a ordem que a receita segue condicionam inevitavelmente o “melhor bolo de chocolate” e o resultado pode ser próximo, mas nunca é o original.
Apesar de tentador, não é sobre culinária que escrevo esta semana. A pandemia e as vacinas contra a covid-19 trouxeram à discussão o tema da suspensão das patentes na indústria farmacêutica. Mas o que são patentes e porque são um assunto na ordem do dia? As patentes são o reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual que protegem uma inovação: asseguram um período de exclusividade para os criadores produzirem e comercializarem os seus produtos. Representam um incentivo à investigação através da proteção legal contra a cópia.
O processo de vacinação não está a decorrer com a velocidade que gostaríamos, e várias vozes têm vindo a advogar a suspensão temporária das patentes com o argumento que só assim é possível produzir mais vacinas. Há, no entanto, razões para duvidarmos desta solução.
A primeira das quais é que a limitação não está no acesso à formulação das vacinas, mas na capacidade de produção. As dificuldades residem no acesso a matérias-primas muito procuradas, no know-how e na existência de unidades de produção e cadeias de fornecimento e logística especializadas. À semelhança da receita do bolo de chocolate, pouco nos adianta ter a receita se a farinha estiver esgotada ou o forno não funcionar.
A segunda razão tem a ver com a segurança e o risco associado a vacinas contrafeitas. Estamos a falar de vacinas neste momento produzidas com licenças temporárias de emergência, não de medicamentos genéricos, cujas patentes expiraram ao fim de anos de utilização segura. É essencial garantir que as vacinas são seguras, não agravando a desconfiança da população.
É fácil dizer que suspendendo as patentes há mais vacinas, mas não é verdade. Além de falso, demonstra desconhecimento sobre o processo e as consequências negativas da suspensão. A Moderna, que desenvolveu uma das vacinas, já anunciou que não fará uso dos direitos de patente, isto é, suspendeu a patente, mas isso não resolveu nada porque a mera suspensão não aumenta a produção.
O Mundo não estava preparado para vacinar 7,8 mil milhões de pessoas. A solução passa pela partilha de licenças, pelo fim dos bloqueios às exportações, pela utilização ótima de vacinas – dose sharing, e novas vacinas. A suspensão unilateral das patentes desencoraja o investimento em novas vacinas, como a portuguesa Immunethep, que nesse caso terão menos condições para terminar o seu processo de desenvolvimento.
Fonte: JN