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Banco de Portugal, a Salto Ministerial

Está a chegar o momento de o Governo decidir sobre o próximo Governador do Banco de Portugal. À Assembleia da República caberá ouvir a indicação do Governo, mas no fim do dia, depois do pró-forma parlamentar, é o Conselho de Ministros que decide. E parece que a nomeação de Mário Centeno é um “facto consumado”. Porque tem de ser assim?

Perante este cenário, e sendo responsabilidade do Ministro das Finanças apresentar a proposta de Governador, existem duas alternativas:

1. Centeno indica-se a si próprio.
2. Centeno renuncia antecipadamente, tendo seguramente uma palavra a dizer na escolha do seu sucessor no cargo e abrindo espaço a potenciais conflitos de interesses por nomeações cruzadas do tipo “eu indico-te a ti, tu propões-me a mim”.

O conflito de interesses é impossível de ignorar.

Termos titulares de órgãos de soberania a agir como se esta possibilidade fosse uma situação normal põe a nu a fragilidade da democracia e da independência das instituições democráticas. Para o sistema político português o conceito de conflito de interesses é motivo de chacota.

O mais elementar bom senso já devia ter determinado uma afirmação clara de Centeno de que não está disponível para a posição. Para respeitar o lugar que ocupa (e que lhe exige dedicação total, num momento particularmente difícil como o que vivemos) e preservar a dignidade do cargo de governador do Banco de Portugal.

Os últimos dois governadores do Banco de Inglaterra foram escolhidos depois de processos de seleção abertos que demoraram meses e resultaram em listas de personalidades apresentadas ao Governo, que nomeou Mark Carney (2013) e Andrew Bailey (2020). Em Portugal, estamos a discutir a sucessão de Carlos Costa a poucas semanas do final do seu mandato e parece que só há uma hipótese. Que é inevitável. Não é. Felizmente, temos muitas personalidades que garantiriam um mandato competente, rigoroso e, acima de tudo, independente. Com a nomeação de Centeno estamos a abdicar dessas escolhas e, sobretudo, da reflexão sobre o papel do Banco de Portugal.

Comparar uma nomeação de Centeno com outras nomeações de antigos ministros das finanças é desonesto e apenas engana os incautos. O Professor Pinto Barbosa teve quase um ano de intervalo entre as funções. De resto, este primeiro caso não foi em democracia, e além do período que mediou entre o exercício das duas funções, certamente não estará quem o relembra a defender os equilíbrios democráticos e a independência do regime de então. Sobre a segunda, com o Dr. Miguel Beleza, é fundamental esclarecer que não foi nomeado pelo Governo que integrou. Aliás, a independência do Dr. Miguel Beleza ficou bem patente quando acabou por se demitir justamente por conflitos com o ministro das finanças do governo que o indicou.

Reafirme-se: nunca em democracia um Governador do Banco de Portugal foi nomeado pelo Conselho de Ministros no qual se sentou.

A independência de um banco central é mais do que uma condição legal. Dela resulta a credibilidade, o prestígio e a autoridade essenciais para o desempenho da importante missão que é cometida a estas instituições. As competências do Banco de Portugal (com a política monetária e de supervisão à cabeça) tornam o critério da independência como o elemento central na escolha do seu Governador. Quem é ministro das finanças hoje (e foi durante os últimos quatro anos) não tem condições para ser nomeado governador em poucas semanas. Não se trata de julgar o carácter, mas de perceber que  um Ministro das Finanças nomeado pelo Governo que integra não garante a independência indispensável ao exercício das funções de Governador de Banco de Portugal.

 

Fonte: EXPRESSO