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Mais importante do que trabalhar mais é trabalhar melhor

O Encontro Anual do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional juntou, em Washington, governadores de bancos centrais, ministros de Finanças, representantes da sociedade civil e académicos. Discutiram-se perspetivas económicas, estratégias de desenvolvimento e, claro, reformas estruturais.

Como portugueses, estamos habituados a ouvir falar frequentemente de reformas, não por serem feitas, mas antes por ficarem frequentemente bem guardadas nas gavetas de S. Bento até se tornarem incontornáveis e muito penosas. Frequentemente até, impostas por entidades externas. A bem de Portugal, as reformas deviam ser um exercício permanente, de adaptação a novas circunstâncias e a novos desafios, garantindo um melhor presente, mas sobretudo um muito melhor futuro.

Jean-Claude Juncker, no registo humorístico, muitas vezes satírico, que lhe é característico, resumiu numa frase o porquê de os partidos no governo serem frequentemente acusados de não levarem a cabo as reformas estruturais. “Todos nós sabemos o que fazer, só não sabemos como seremos reeleitos depois de o ter feito.”

Esta observação é de 2007, quando o ainda presidente da Comissão Europeia era primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do Eurogrupo, mas a sua atualidade mantém-se intocada. Poderia ter sido proferida dez anos antes, como agora mesmo. Adiar mudanças essenciais ao futuro do país, ou da Europa, até que seja absolutamente inevitável, resulta, habitualmente, em elevados custos políticos, económicos e sociais.

Em Washington, tive a oportunidade de falar num painel dedicado a esta temática. Uma das questões que foram discutidas era se se considerava que o reformismo tinha estagnado nos últimos anos. Portugal é um desses casos em que o ímpeto reformista abrandou e estamos cada vez mais na cauda da Europa. A própria OCDE(1) refere que as melhorias na riqueza, avaliada através do PIB per capita, têm sido consistentemente inferiores desde a crise financeira.

Na Europa, esse é o caso de alguns países, como Portugal, que não aproveitaram a oportunidade dos últimos anos para implementar as reformas necessárias, reduzindo a dívida pública de forma mais ambiciosa, e preparar os próximos anos reformando uma Segurança Social ameaçada, construindo um ambiente favorável ao investimento e apostando na ciência e no conhecimento.

Frequentemente, a ausência de reformas está relacionada com a ausência de instituições fortes. Em muitos países, a melhoria da governança institucional é a reforma estrutural mais essencial e urgente a ser realizada. Sem ela, a falta de confiança, que impede o investimento e o crescimento, persiste. O diálogo com a sociedade civil e com os parceiros sociais é fundamental para discutir e acordar o caminho a seguir e cabe-nos a nós, decisores políticos, conseguir comunicar a importância de adotar medidas reformistas. Fazê-lo durante um período de crescimento económico, como aquele que vivemos nos anos mais recentes, será sempre mais fácil. A comunicação não pode nem nunca se vai substituir à implementação de medidas estruturais, mas é essencial para obter apoio político e social para a tomada de decisão.

O crescimento económico muitas vezes não tem tanto que ver com trabalhar mais, mas sobretudo com trabalhar melhor. Por outras palavras, é necessário usar os fatores de produção de forma mais eficiente. A globalização e a digitalização da economia colocam grandes desafios às empresas e às instituições, mas o investimento público em infraestruturas e na qualificação da população, incluindo formação ao longo da vida, bem como as reformas à fiscalidade, para fomentar a competitividade e reduzir a evasão fiscal, ainda estão aquém das expectativas em muitos países, entre os quais ainda nos incluímos.

Estamos prestes a chegar a 2020 e Mário Centeno é presidente do Eurogrupo há quase dois anos. Anunciado como um Ronaldo, continua sem justificar. Ao contrário de John Kennedy, que defendia que o tempo certo para consertar o telhado é enquanto o Sol brilha, põe em prática a ideia de esperar pelo temporal para lidar com os problemas. Os últimos anos parecem a “dança das cadeiras”. A música ainda está a tocar, todos sabem que a dado momento vai parar. Ninguém sabe exatamente quando, mas a diferença entre ter uma cadeira ou ficar no chão depende das medidas que se implementarem agora.

Publica em Jornal de Negócios