O hidrogénio, ao contrário do que pretende passar o Governo, está ainda longe de ser uma opção para a mobilidade em automóvel particular.
O Hidrogénio é o elemento químico mais abundante no Universo e representa cerca de 75% da massa das estrelas. Apesar disto, é um elemento pouco presente no nosso planeta. Recentemente tem sido alvo de um redobrado interesse como fonte de energia limpa, tendo o Governo português acorrido a lançar uma “estratégia”, a chamada Estratégia Nacional para o hidrogénio, um plano de larga escala e de elevado investimento: mais de sete mil milhões de euros: €7.000.000.000,00. Isso mesmo.
Esta estratégia tem como objetivo o desenvolvimento de uma economia de hidrogénio para uso nacional e exportação para outros países.
Há, contudo, que clarificar em que situações o hidrogénio poderá ser uma solução viável de outras em que será mais um beco sem saída. Nesta análise, se feita de forma séria, e tendo como fim o interesse público, uma das condições a ser tida em consideração à partida terá de ser o estado de maturidade das tecnologias e, não menos importante, os custos associados a empresas e particulares. No caso dos custos, a opção pelo hidrogénio não pode representar elevados custos seja diretamente na fatura, seja, como frequentemente fazem governos socialistas, de forma encapotada com subsídios via Orçamento de Estado. Portugal tem um custo de energia elevado e que pesa na competitividade das nossas empresas face às suas concorrentes estrangeiras, não pode correr o risco de ter na estratégia do Governo para o hidrogénio mais um peso morto às costas das nossas empresas e empresários.
É preciso naturalmente descarbonizar a nossa economia e os transportes têm um papel fundamental nessa transição, mas é preciso perceber em que situações a mobilidade elétrica é mais vantajosa e em que situações é melhor (quer ambiental quer economicamente) a opção pelo hidrogénio.
O hidrogénio, ao contrário do que pretende passar o Governo, está ainda longe de ser uma opção para a mobilidade em automóvel particular e uma estratégia nacional que aposte por aí de forma desfasada com o resto da Europa até poderá ser bom para meia dúzia de empresários próximos do Governo, mas não o é para o interesse público. Por outro lado, tem potencial para se afirmar como uma alternativa como fonte de energia para os transportes rodoviários pesados ou de longa-distância, ferroviário, marítimo e mesmo aéreo, setores de muito elevadas emissões de carbono.
De forma análoga, para a indústria, o hidrogénio representa uma oportunidade para a descarbonização de muitos subsetores que tradicionalmente têm enormes gastos energéticos e para os quais a eletricidade ainda não é capaz de dar resposta, por exemplo para a obtenção de muito elevadas temperaturas como na indústria da metalurgia, química, vidro e cerâmica ou cimento. Mas por outro lado, o caminho do Governo de defender a queima de hidrogénio em larga escala para produção de energia elétrica ou em equipamentos domésticos em casa é, no atual estado de desenvolvimento das diferentes tecnologias, um erro: é significativamente menos eficiente que as outras soluções.
Também a incorporação de hidrogénio na rede de gás natural (blending) ou uma possível substituição por uma rede de hidrogénio carece de significativo aprofundamento do seu estudo e do seu custo-benefício.
Assim, e de forma transversal, o hidrogénio tem um papel a desempenhar, mas de forma complementar à eletrificação, promovendo a descarbonização das nossas economias onde o uso de eletricidade for inviável ou economicamente ineficiente. Os apoios devem ser direcionados para os setores onde o hidrogénio possa ser uma opção eficaz do ponto de vista custo-benefício, considerando o valor do potencial de descarbonização e do custo da energia.
Está também por fazer o trabalho de regulamentação do setor e de taxonomia. Termos como a designação de “hidrogénio verde” estão ainda pouco definidos na lei, o que pode levar a incerteza e abuso na sua utilização ou possíveis divergências futuras na sua interpretação.
Há ainda a ter em conta que a eventual implementação da estratégia e execução das infraestruturas necessárias para que Portugal seja um exportador de hidrogénio requerem o aumento da capacidade instalada de produção de eletricidade. No entanto, no Roteiro para a Neutralidade Carbónica (desenhado pelo Governo) estão considerados limites à capacidade de instalação de produção de energias renováveis desalinhados com os objetivos estabelecidos no Plano Nacional de Energia e Clima (também desenhado pelo Governo) que por sua vez também estão desalinhados com os investimentos adicionais identificados na Estratégia Nacional para o hidrogénio. Trata-se de três documentos diferentes, do mesmo Governo, com três visões distintas sobre os mesmos limites. A descoordenação e desconexão dentro do mesmo ministério é total e demonstrativa da falta de rumo governativo.
O hidrogénio poderia ter um contributo válido para a descarbonização, mas a pressa é inimiga da perfeição e mais uma vez a estratégia do Governo parece não estar em linha com a defesa do interesse público. Que interesse subjaz a esta pressa de João Matos Fernandes e João Galamba na aprovação desta estratégia?
Não nos esqueçamos que a Alemanha tem uma Estratégia Nacional para o hidrogénio com um orçamento de 9 mil milhões, e a de Portugal é de 7 mil milhões. Não nos esqueçamos, também, que a riqueza produzida anualmente na Alemanha é de cerca de 16 vezes a produzida em Portugal.
Esta questão é particularmente importante quando sabemos que Portugal está a ultrapassar dificuldades sociais e económicas fruto da Covid-19 e que nos deve levar a cuidados suplementares nos investimentos realizados.
Perante tudo isto, a pergunta é: os portugueses têm o interesse público salvaguardado perante estas escolhas e decisões de Galamba e Matos Fernandes?
Fonte: ECO