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Deixar alguns para trás

É hoje claro, para todos, que a pandemia pôs a nu não só as fragilidades da economia portuguesa, como a excessiva dependência do turismo, mas também as vulnerabilidades do Estado – veja-se a saúde ou a educação.

E a narrativa do milagre económico e da consolidação orçamental provou-se um engano porque os apoios sociais e à economia continuaram cativados e de difícil acesso. Para recuperar, o propalado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é-nos apresentado como a solução.

O PIB português sofreu uma queda histórica de 7,6% em 2020, com um impacto transversal na economia, e coloca pressão na recuperação de rendimentos das famílias, do emprego e das empresas. O PRR é por isso um instrumento importante, mas a concentração da despesa quase exclusivamente nas áreas metropolitanas e no setor público levanta dúvidas nos seus méritos. A coesão territorial tem sido uma bandeira anunciada repetidamente por António Costa. No entanto, lamentavelmente, tudo indica que dois terços do território continuarão à sua própria mercê, desconsiderados, abandonados e desligados do resto do país.

Percorrendo a listagem de investimentos e reformas do documento, no capítulo referente a transportes e mobilidade sustentável não há um único projeto concreto fora de Lisboa ou do Porto. Na versão entregue no final do ano passado em Bruxelas, a ausência de uma visão para outras regiões era já notória e este PRR vem confirmar a desistência do Governo de uma parte do território. A estratégia em curso parece passar por continuar a limitar Portugal ao seu litoral.

Sobre a descentralização e desconcentração, há uns meses, a ministra da Coesão Territorial dizia que esta é “profundamente difícil”. Acrescentava também que para o interior podiam mudar-se os “arquivos” dos ministérios. Mas a verdade é que o interior não precisa de papéis, mas antes de postos de trabalho e de investimento. De ser levado a sério como elemento de equilíbrio territorial. Tudo aquilo que o PRR não contempla.

Perdemos os últimos anos numa catadupa de palavras e anúncios enquanto a realidade mostrava números de investimento público aquém dos registados no período da troika. O Governo precisou da pandemia para compilar um plano e começar a fazer tudo o que, por conveniência política de gestão da geringonça, foi sendo adiado, em particular as reformas. No entanto, a aposta no território mantém-se a mesma: desigual e desequilibrada.

O Governo diz que “estamos ON” mas para o interior e para as empresas parece estar “OFF”.

Fonte: JN