A cedência do governo à esquerda tolda a visão integrada da economia na resposta à crise e, por opção ideológica, condena as empresas e os empresários à sobrevivência, sem expectativas de sucesso.
Quase a chegar ao final do ano, e sem sabermos muito bem como é que 2021 se vai apresentar, continuamos, como país, sem fazer grandes planos, navegando à vista, ao sabor dos mandos e desmandos do Governo, meios perdidos, em estado catatónico. Tudo é atípico. O uso da máscara, os litros de álcool gel, a vida no trabalho (ou teletrabalho), a nossa mobilidade, a convivência em sociedade. O que nos está a acontecer é, em parte, semelhante a um circuito de Fórmula 1. É como um carro a andar a alta velocidade e que de repente tem de dobrar uma curva apertada. Até ver, a nossa vida está em suspenso na travagem antes da curva.
Durante os últimos 5 anos de governação socialista, criou-se em Portugal um ambiente artificial de crescimento económico e consolidação orçamental. O Governo, sob a batuta de Mário Centeno e os arranjos de João Leão – um dos grandes responsáveis ou artífices pelas cativações -, conseguiu de facto reduzir o défice nominal. Conseguiram-no devido ao ciclo de crescimento económico induzido pelas reformas introduzidas pelo governo PSD/CDS e ampliado pelo contexto internacional muito favorável: à custa da redução histórica do investimento público, do aumento da carga fiscal e redução da despesa com juros e aumento dos dividendos do Banco de Portugal, perigosamente utilizados para despesa corrente.
Mas se 2020 começou com um cenário macroeconómico na linha dos anos anteriores, com a chegada da pandemia, rapidamente se tornou num grande pesadelo. E talvez tenha servido para provar que a folga orçamental sempre anunciada em grandes parangonas era afinal uma mão cheia de nada, uma ilusão vendida aos portugueses. A prova disso mesmo é o Orçamento de Estado para 2021, que consiste numa amálgama de propostas sem coerência e que apenas aparentemente parecem ajudar algumas famílias.
O setor empresarial é passado para segundo plano. Este é um erro que custará caro aos portugueses e a opção política do Governo devia, pois, ter encontrado um equilíbrio entre os apoios às famílias e às empresas. Por exemplo, a penalização através de benefícios fiscais e linhas de crédito às PME que não mantenham os postos de trabalho é paradigmática da falta de visão orientadora do OE para as empresas.
Por toda a Europa foram sendo aprovadas medidas económicas de apoio às empresas que viram a sua atividade ser interrompida ou fortemente afetada. Em Portugal não foi diferente. Entre os regimes de lay-off, contribuições sociais, flexibilização do pagamento de impostos para as empresas e trabalhadores independentes, as soluções encontradas pelo Governo foram o possível num quadro de elevada dívida pública que condiciona fortemente a condução de política económica e orçamental. A verdade é que comparando as medidas adotadas por Portugal com países como Irlanda, Grécia ou Alemanha (Policy measures taken against the spread and impact of the coronavirus), em particular no que diz respeito à fiscalidade, percebemos rapidamente que afinal a nossa realidade orçamental foi sempre muito limitada e a crise só veio confirmar que os portugueses viveram estes anos mergulhados em propaganda.
Ora, regressando ao OE2021, este peca, em larga medida, por não incluir medidas de estímulo fiscal, por exemplo, à proteção do emprego – beneficiando as empresas que mantêm ou aumentam postos de trabalho –, redução da taxa de IRC ou através do aumento as taxas de benefícios fiscais. Infelizmente o que consta no documento do OE maltrata o setor empresarial, não vai mais além das medidas que foram sendo adotadas durante o ano 2020.
Do lado das famílias, as retenções na fonte do IRS ou o IVAucher terão também eficácia duvidosa. A primeira foi já alvo de duras críticas, uma vez que as simulações indicam situações de aumento de apenas um euro por mês em salários de 750 euros, sendo valores manifestamente marginais. O IVAucher pretende servir de estímulo ao setor da hotelaria e restauração e cultura, mas o atual clima de incerteza, de liberdade coartada a vários níveis compromete o objetivo da medida. Se hotéis, restaurantes e salas de espetáculo tiverem de fechar devido a imposições das regras de saúde então o consumo destes serviços será bastante reduzido.
No fundo, a cedência do governo à esquerda tolda a visão integrada da economia na resposta à crise e, por opção ideológica, condena as empresas e os empresários à sobrevivência, sem grandes expectativas de sucesso. Empresas saudáveis geram mais emprego. Empresas em dificuldades atiram milhares de pessoas para o desemprego.
Comecei este texto recorrendo a uma imagem da Fórmula 1, para ilustrar o momento em que vivemos. É um desporto em que cada pessoa tem na equipa uma função específica, do piloto ao mecânico. E o cumprimento dos tempos é fundamental para não comprometer a corrida. Na economia é a mesma coisa. São muitos os desafios no curto-prazo e a recuperação económica o principal. Para dar a curva em segurança e acelerar a recuperação só o podemos fazer com as empresas e não com elas encostadas às boxes.
Fonte: ECO