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Ser Eurodeputada antes dos 30: a história de Lídia Pereira

Tornou-se eurodeputada bem antes de alcançar a marca dos trinta anos de idade e já depois de ter sido a primeira mulher eleita para dirigir os destinos da Juventude do Partido Popular Europeu. Por isto e muito mais, sua história despertou a nossa atenção e quisemos, com a própria, perceber como tudo começou, quais os planos futuros e sobretudo… como é o lifestyle de uma jovem eurodeputada!

Esta entrevista é, no fundo, um pontapé de partida para um conjunto de conteúdos com a Lídia e que nos provam a todos que a política é uma missão levada a cabo por pessoas normais, como os nossos familiares e amigos, e que têm os seus hobbies, vícios, e guilty pleasures.

Foste a primeira personalidade portuguesa e a primeira mulher a presidir a uma das maiores instituições políticas europeias, a Juventude do Partido Popular Europeu. E aos 27 anos já estavas na corrida a um lugar no Parlamento Europeu, que conseguiste. Tenho de te perguntar isto… o que é que te interessou na vida política?

Sempre me interessei por política desde muito jovem, já na altura do ensino básico, em que estava numa turma muito participativa, em que nós erámos muito atentos e havia grandes discussões já na altura. Mais tarde, já no ensino secundário, comecei a escrever sobre política em blogues – as redes sociais da época. No fundo foi um interesse que acabou por resultar de uma conjugação de factores: as turmas e os professores que tive e, claro, o estímulo que tinha em casa, onde falávamos bastante do tema. Acabou por ser sempre um bichinho que tive, embora nunca tivesse pensado que aos 27 anos já estaria nesta posição de concorrer a umas eleições desta importância.

Se tivesses que identificar um, qual é que dirias que é o factor mais decisivo a trabalhar para estimular o interesse dos jovens na política?

Parece-me antes de mais que devemos fazer uma distinção entre a participação cívica activa e outras formas de participação como por exemplo o voluntariado. A participação cívica activa muitas vezes passa pelos partidos políticos mas não precisa de se estancar aí. Aquilo que me parece que existe neste momento é algum desencanto com a actividade politica partidária – e é aqui que começa a haver a necessidade de adaptação dos partidos à realidade do século XXI, que passa muito pelas redes sociais, pelos órgãos de comunicação tradicionais, mas também pela adaptação da mensagem política, que se deve dirigir aos jovens. Até porque a geração dos millenials, por exemplo, arrisca-se a sofrer a segunda crise económica grave num período de dez anos, e é importante haver uma mensagem também para estes jovens, que querem ter família, querem comprar uma casa, que no fundo querem realizar as suas aspirações e para os quais parece haver sempre um obstáculo no momento em que parece que vão “descolar” na direcção dos seus objectivos.

Sentes que por seres tão nova, de alguma forma também é tua responsabilidade defender especialmente os interesses dos jovens?

Bom, eu não quero criar nenhuma guerra inter-geracional porque isso também não nos leva a lado nenhum (risos). Mas é claro que estou mais sensível porque antes de ser deputada, sou uma jovem de 29 anos que já trabalhou fora da política, que conhece a realidade e que tem muitos amigos que não são políticos e que me fazem chegar as suas preocupações. Esta pergunta leva-me de volta à questão da economia e ao facto de esta geração se arriscar a ser a primeira num século que pode viver pior do que a geração anterior, dos pais. É óbvio que isto me levanta uma série de preocupações e muita vontade de tentar contribuir para resolver. No entanto creio que só conseguimos resolver este problema também com as gerações mais velhas. Da minha parte tenho sinalizado essa realidade nos mais variados fóruns, porque de facto não podemos continuar assim.

Lemos numa entrevista tua, que acreditas que vivemos uma altura em que «a política anda um pouco ao arrepio do Twitter, em que o populismo grassa, em que temos que convocar as pessoas a fazerem parte da política para mitigar a diferença entre “eles e nós”». Como é que esbatemos essa diferença entre, neste caso, “nós” e “vocês”?!

Não há “eles” e “nós”. Eu rejeito completamente essa divisão porque os políticos são pessoas normais, que têm família, têm amigos, gostam de ir beber um copo e sair, gostam de ir ao ginásio, gostam de jogar playstation, de andar de bicicleta, entre muitas outras coisas. São pessoas normais que apenas têm responsabilidades acrescidas por estar à frente dos destinos do país, mas que estão lá porque as pessoas, os seus pares, lhes confiaram o seu voto para que os representassem. E eu acho que essa divisão entre “eles” e “nós” que se criou, e que coloca os políticos praticamente numa elite, desligados de tudo o resto, é fatal. E é por isso que tenho tentado comunicar, aproximar-me o mais possível das pessoas e mostrar, desmistificando, que o trabalho de um político não é uma coisa etérea, é uma missão que tem um começo e um fim e que não tem que ser para a vida toda. Esta é a minha forma de estar e quando achar que a minha missão chegou ao fim, saio e vou trabalhar noutras áreas e eventualmente mais tarde até posso voltar à politica com outra bagagem e outras coisas para reportar e para melhorar.

Sabemos que és activa nas redes sociais. Qual é a tua opinião sobre a figura de Donald Trump e o que ele representa, politicamente falando?!

Há uma tendência para comparar Donald Trump com todos os outros populistas que graçam pela Europa e fora dela. Neste caso é um self-made man que gosta de dar show e que não o podendo fazer todos os dias em directo, usa o Twitter. Eu acho que é um fenómeno, uma pessoa que leu a sociedade americana profundamente, que viu que havia descontentamento e falou durante quatro anos para esse seu eleitorado. É óbvio que é populista, mas é curioso confrontar a sua comunicação com a sua política efectiva: há uma grande diferença. É claro que não me identifico com Donald Trump. Agora, sou muito cautelosa porque as eleições americanas aconteceram há algumas semanas e ele teve cerca de 70 milhões de votos, o que significa que há uma grande parte da sociedade americana que se revê nele. E este é precisamente um dos grandes problemas, há uma grande polarização da sociedade que não pode ser ignorada. Exportando esta realidade para o contexto europeu e português, acredito que ainda estamos muito longe de chegar a uma situação semelhante, mas não podemos fechar os olhos ao que está por vir. Tem que haver uma resposta e a resposta não pode ser ignorar. Acredito que é importante também falar para esse tipo de eleitorado e não segregar – algo que acontece muito no contexto precisamente das redes sociais.

Voltando um pouco atrás… foste delegada de turma? Sentiste desde cedo manifestações fortes de liderança no teu percurso de vida?

Não, nunca fui. Uma vez concorri mas perdi (risos). De facto tem de haver liderança para as pessoas perceberem em quem é que podem confiar. E por isso é que é importante não vender ilusões e que essa liderança necessária passe pelas ideias, pela acção de exectutar essas ideias, por propor alternativas, por estar presente e nunca apenas e só pela identificação dos problemas. Acredito que é por aqui que passam as lideranças relevantes e pelo que me toca tenho estado empenhada em vários temas: tanto no ambiente como na economia – e neste campo mais especificamente no combate à evasão fiscal, que é sempre um tema muito sonante e que diz muito da confiança que as pessoas depois têm nas instituições democráticas. Tenho tido essa preocupação e o cuidado de ir dando, dentro das minhas competências enquanto eurodeputada – e mesmo dentro do partido – o mote para discussões e fazendo sugestões que também passam por este tema.

Como é sentires que o teu trabalho influencia directamente a vida de tantos e tantos Europeus?

De facto influencia. A legislação produzida ao nível da União Europeia representa cerca de 80% da legislação que depois é produzida a nível nacional. Por isso há de facto uma grande presença da União Europeia mas de forma indirecta – uma vez que existe o crivo dos parlamentos dos países membros. Mas de facto sinto uma grande responsabilidade de produzirmos boa legislação, que não cause entropias nem levante dúvidas. Para isso temos que ouvir o máximo número de pessoas e organizações para quem essa legislação será dirigida e afectará – dos mais variados sectores da economia à saúde, à agricultura e até à justiça embora que de forma menos expressiva. São de facto temas que têm impacto ao nível local, com o grande contributo das autarquias e das juntas de freguesia, os operadores no dia-a-dia dessa legislação produzida em Bruxelas e em Estrasburgo

A protecção do planeta e um futuro mais verde e limpo para todos deve ser a principal bandeira dos eurodeputados do Parlamento Europeu?

Não só do Parlamento Europeu. Parece-me que houve desde o início um grande compromisso da parte da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que identificou e escolheu o ambiente como tema central. O que é importante sinalizar é que é, de facto, é um tema fundamental, sobretudo para as gerações mais novas – e que foi até posto na agenda política pela própria sociedade civil: podemos concordar mais ou menos com o posicionamento político da Greta Thunberg, mas a verdade é que a iniciativa dela mobilizou milhares de jovens e a consequência foi o tema ter sido identificado enquanto prioridade política da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, que posteriormente se transformou numa lei Europeia do clima, aprovada em pleno ano de pandemia. Não houve, em momento algum, um arrepiar de caminho nos objectivos que tinham sido traçados no início do mandato destas duas instituições, mesmo em contexto de crise. E isto é um sinal muito importante: a sociedade civil mobilizou-se e o poder político deu resposta.

O que é que as pessoas não sabem sobre ser político e que tu gostavas que soubessem?

Algo que me parece que as pessoas não sabem, de facto, é que existem densas e morosas negociações com outros grupos políticos ao nível europeu, no âmbito de dossiers complexos. Recuando até à realidade Portuguesa, a ideia que passa cá é que o trabalho político acontece no governo e no plenário, na Assembleia da República. No Parlamento Europeu, por exemplo, o trabalho político acontece muito mais em comissão e só depois de estar tudo resolvido nesse âmbito, é que sobe ao plenário para ser votado. E portanto até chegarmos ao momento do plenário, existem muitas reuniões e uma dificuldade grande em encontrarmos compromissos com outros grupos políticos com os quais naturalmente não nos identificamos tanto. As horas de negociação e a capacidade de ceder em benefício de um compromisso generalizado, são de facto etapas fundamentais que não se vêem.

Ouvimos-te dizer, numa entrevista que deste, “eu sou da geração euro”. Terminamos com um desafio: um euro valia quantos escudos?

Ah, essa é fácil, 200.482! (risos)

 

Fonte: PELA FECHADURA